Entre o Chão e a Lua:

Crédito Imagem: - Fonte: Assessoria de Comunicação - Autoria: José Osmir Bertazzoni
Reflexões de um Caminhante em Piracicaba
Caminhar pela cidade à noite se tornou, para mim, um exercício de memória. Vagando pelas ruas onde cresci, meus olhos se dividiam entre o chão e o céu. No chão, já não encontro os antigos paralelepípedos que um dia calçaram nossas avenidas. Substituídos por uma massa escura de asfalto, eles desapareceram junto com os trilhos dos bondes e dos trens — símbolos de uma era que não volta mais.
As ruas mudaram, os casarões antigos deram lugar a prédios altos e, das poucas construções que restaram, muitas já perderam suas características originais, escondidas por muros altos ou descaracterizadas por reformas agressivas.
Diante do desapontamento com o chão, ergui os olhos para o céu. As colinas e horizontes de Piracicaba ainda estão lá, mas algo me incomodou: a Lua parecia mais distante. Intrigado, fui pesquisar e descobri que essa impressão não era apenas fruto de nostalgia — era ciência.
A Lua, de fato, está se afastando da Terra a uma taxa de aproximadamente 3,8 centímetros por ano. Um fenômeno lento, porém, implacável, que vem alterando gradualmente a dinâmica do sistema Terra-Lua.
Esse afastamento tem consequências profundas, embora imperceptíveis em uma escala humana. À medida que a Lua se distancia, a rotação da Terra diminui, resultando em dias ligeiramente mais longos. “Essa interação entre Terra e Lua é antiga”, explica Mario Giuseppe Guarcello, pesquisador do Instituto Nacional do Observatório Astronômico de Palermo, na Itália. “Provavelmente já existia quando os fluidos da Terra ainda eram lava.”
Segundo Guarcello, a gravidade da Lua afeta diretamente as marés e, ao longo de milhões de anos, esse atrito tem desacelerado a Terra e empurrado a Lua para mais longe. Um processo natural que culminará, em bilhões de anos, na sincronização total da rotação terrestre com o movimento da Lua — de forma que nosso planeta mostrará sempre a mesma face ao satélite.
Esse conhecimento, que já era intuído desde os estudos do astrônomo britânico Georges Darwin em 1880, foi confirmado com precisão nas décadas de 1960 e 1970, quando as missões Apollo instalaram refletores na superfície lunar. Com eles, cientistas conseguiram medir, por meio de feixes de laser, a distância exata entre Terra e Lua com precisão milimétrica.
Entre as consequências mais poéticas — e tristes — desse distanciamento está o fim dos eclipses solares totais. “O tamanho aparente da Lua no céu vai diminuindo à medida que ela se afasta”, diz Guarcello. “Assim como uma bola de tênis que se afasta dos olhos, ela parecerá cada vez menor, e em algum ponto deixará de ser capaz de encobrir o Sol. Os eclipses como conhecemos hoje se tornarão uma lembrança distante.”
Assim como minha cidade. Aos 67 anos, sobrevivi a inúmeras transformações: no Brasil, no mundo, e principalmente em Piracicaba. Algumas mudanças melhoraram minha vida. Outras trouxeram frustrações. Mas todas deixam a marca do tempo. Em algum momento, tudo o que vivemos — nossas ruas, nossos prados, horizontes os céus e os montes que vejo — serão apenas lembranças, registradas em canções, fotografias, ou no nosso hino.
Talvez, no futuro, alguém caminhe pelas ruas de uma Piracicaba irreconhecível e levante os olhos para um céu onde a Lua já não brilha como antes. E, nesse gesto, reencontre um pouco da nossa história.
José Osmir Bertazzoni – Advogado, Jornalista e Escritor Piracicabano