O que temos a comemorar?

Numa tarde dessas, estava eu caminhando de volta para casa debaixo de um sol escaldante (como costuma ser o sol de Piracicaba mesmo no outono), quando ouvi uma pessoa que vinha ofegante atrás de mim, literalmente gritando com Deus!  Era um homem alto, magérrimo, pardo, na casa de seus quarenta anos. Ele subia com dificuldade a rua íngreme e cheia de pedrinhas espalhadas de um buraco no asfalto, montado em uma bicicleta de pneus gastos e quase murchos e com uma mochila nas costas com alguns apetrechos de trabalho. Era visível sua revolta e desalento porque articulava não entender o que tinha feito de errado e apesar de trabalhar duro sua luta nunca terminava e nunca dava frutos. Ele elencou tudo o que não tinha conseguido apesar de todos os seus esforços: não tinha casa própria, não tinha o que colocar na mesa para sua família, não tinha roupas com que vestir... Disse e continuou dizendo muito mais, mas para mim se tornou inaudível porque, num arranque mais vigoroso, ele foi-se embora depressa, mas ainda gritando e gritando muito com seu deus. Olhei para a única pessoa que também vira a cena e que tinha também parado para observar - uma senhora que colocava o lixo para fora. Eu não tinha muito o que dizer a ela e só para não deixar em branco, falei: “Muitas pessoas têm enlouquecido com as condições desse país!” Ela concordou e concluiu: “É, mas Deus não tem que responder por isso.” Nem precisei pensar para concordar com ela. Em paralelo, refleti sobre o Primeiro de Maio (Dia do Trabalhador) que se aproxima e me perguntei: o que temos a comemorar diante de tantos desempregos, subemprego e arrochos salariais? Estamos diante de uma disparada da inflação e de um dos mais baixos poderes de compra das últimas décadas, além de tendências de maiores acréscimos ainda dos preços de produtos básicos de sobrevivência, da energia elétrica e de combustíveis fósseis, o que se traduz em um 2022 sombrio, de muitas perdas, sacrifícios e de grandes desafios para as classes trabalhadoras. Será esse dia exatamente há um mês passado do dia da greve em que me reuni junto aos mais de 5.000 servidores públicos de Piracicaba no Centro Cívico por um propósito – reivindicação de reposição inflacionária para um rendimento que não obteve aumento real em pelo menos sete anos. No entanto, embora tenha reconhecido os índices inflacionários do período, o prefeito preferiu entrar com um processo litigioso a fim de humilhar ainda mais a categoria que está provisoriamente sob sua administração. O dissídio, assim, datado de março ainda aguarda julgamento no Tribunal de Justiça!   Em consequência disso, nós os servidores públicos piracicabanos e nossas famílias realmente não temos o que comemorar nesse dia tão glorioso e sim protestar já que estamos passando muitos apuros, com dívidas atrasadas e contraindo empréstimos consignados para nos mantermos com dignidade até a decisão judicial para um assunto tão crucial em nossas vidas. Tristemente, é fácil antever que muitos mais adoecidos mentais e emocionais poderão surgir nos próximos tempos em Piracicaba...  E Deus não tem que responder por isso e sim a justiça dos homens, embora já tenha nos alertado Millôr Fernandes que “a justiça é cega, sua balança desregulada e sua espada sem fio”. Márcia Scarpari De Giacomo - Professora do Ensino Fundamental 1 - Mestre em Educação - Unesp de Rio Claro.



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